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Entrevista em 5 de Dezembro de 2006 ao PRIMEIRO DE JANEIRO - Caderno Dossier A importância do psicólogo na sociedade
Entevistada: Dra. Cristina Camões
Ajudar a pessoa, respeitando a sua unicidade e o sofrimento de cada humano. Cristina Camões vê as pessoas sob este prisma, analisando-as e ajudando-as, uma a uma, porque é assim que um psicólogo clínico tem que agir.
O psicólogo é “cada vez mais importante nos nossos dias” e tem um papel decisivo em inúmeros aspectos e situações da sociedade, afirma Cristina Camões, psicóloga clínica, dando vários exemplos: “Desporto, a área educacional, a clínica, que se debruça mais sobre as patologias, a social, que se debruça mais sobre a sociedade, os grupos e a coesão, a organizacional, que se liga muito também à área social, empresarial e selecção de recursos humanos. A área onde estou, no momento, a especializar-me é fascinante, a área da Psicologia forense. É um desafio constante porque lida com um maior número de problemas sociais, mentais, de maus-tratos físicos e psicológicos, perturbações mentais, perícia psicológica e para mim é fascinante”. Cristina Camões é psicóloga clínica, pós-graduada em Ciências Médico-Legais pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto e está actualmente a frequentar o mestrado em Medicina Legal na mesma instituição. Na sua clínica, que está a funcionar há cerca de um ano, exerce Psicologia Clínica e o balanço “é positivo”. A psicóloga diz que a procura aumentou desde a criação do site da clínica e sente que “as pessoas estão cada vez mais sensibilizadas para a Psicologia. Sempre existiram problemas, mas, neste momento, há uma maior consciência do papel importante do psicólogo. O processo terapêutico é longo, contudo, as pessoas notam que fazemos a diferença”. A clínica tem os mais variados serviços ao dispor da população em geral: consulta psicológica, ludoterapia, exame psicológico, psicoterapia, apoio psicopedagógico, intervenção na crise e orientação vocacional. Crianças, adolescentes, jovens e adultos podem recorrer aos serviços de psicologia que Cristina Camões garante: “Enquanto que nos adultos podemos recorrer à psicoterapia porque eles transmitem os seus conflitos internos através da palavra, nas crianças utilizamos a ludoterapia, que é também uma forma de psicoterapia, e cujo objectivo é promover e restabelecer o bem-estar psicológico da criança através de actividades lúdicas. No fundo, o brinquedo serve de elo entre o psicólogo e a criança e funciona como expressão do que se passa a nível interno”. Um outro fenómeno que a psicóloga clínica nota é na transição entre o 9º e o 10º ano de escolaridade, fase em que os jovens têm que escolher as áreas de estudo e em que há “imensa pressão dos pais para que os adolescentes sigam áreas científicas, como a medicina”. Depois, explica Cristina Camões, “feitos os testes vocacionais, por vezes as conclusões são totalmente opostas aos desejos dos pais. O papel do psicólogo é alertar os pais para o facto de que o mais importante é a realização pessoal e os jovens sentirem-se bem na profissão que escolherem. No fundo, serem felizes naquilo que fazem”. Também nesta área a nossa entrevistada “começa a ver reconhecimento e valorização dos testes vocacionais”. Já ao nível adulto, as queixas principais são stress, ansiedade e depressão, ainda que a psicóloga não goste de colocar rótulos às pessoas porque “impedem o sucesso terapêutico já que no dia-a-dia as pessoas vão vitimizar-se e desculpabilizar-se de determinados actos. Acho que o papel do psicólogo não é colocar rótulos, é fazer uma avaliação psicológica rigorosa para saber onde tem que actuar e de que forma o deve fazer”.
O ritmo e estilo de vida dos dias de hoje são, cada vez mais, motivo da procura de consultas de apoio psicológico. Na clínica de Cristina Camões, há uma procura muito acentuada em faixas etárias baixas, sobretudo crianças e a faixa etária entre os 20 e os 30 anos: “Dá-se a saída do ensino secundário, o ingresso na universidade, a entrada no mercado de trabalho”. Por outro lado, relativamente às crianças, as principais queixas e o problema é, essencialmente, “ao nível do comportamento, porque tanto existem as crianças que são diferentes e mais apáticas, como existem as que têm dificuldades de aprendizagem e muitas vezes a origem destas dificuldades não é falta de capacidades cognitivas mas sim de comportamento: não saber estar na sala de aula e não conseguir manter os níveis de atenção exigidos, por exemplo”.
Uma outra área problemática, actual e que tem cada vez mais procura de apoio psicológico é a área dos distúrbios alimentares: “Inicialmente as jovens têm uma imagem distorcida do próprio corpo e isso tem por detrás, quase sempre, problemas psicológicos. A anorexia e a bulimia explicam-se como tendo por base problemas psicológicos. Os estereótipos de beleza identificam-se com actrizes e modelos que são muito altas, muito magras e isso não corresponde, de todo, à normalidade e ao padrão da sociedade”.
Sendo a Psicologia uma das áreas que mais procura tem ao nível de formação universitária, é, consequentemente, uma profissão que tem um número crescente de profissionais. Cristina Camões acrescenta mesmo que hoje “os jovens licenciados nesta área são aos milhares”, se bem que, para a psicóloga, quem tira um curso nesta área não pode estagnar e limitar-se à licenciatura, é uma “baixa perspectiva de futuro. A licenciatura dá-nos a base teórica que aplicaremos na prática, não se pode começar uma casa pelo telhado, claro, mas é necessário adequarmo-nos à realidade, à mudança e evolução da sociedade e das pessoas que a compõem. A minha experiência pessoal diz-me que quanto mais sei, aumenta a sensação de que menos sei”. E é com esta perspectiva de contínuo estudo e constante aprendizagem e investigação que Cristina Camões acaba por afirmar que “a concorrência nesta área acaba por não existir quando as pessoas marcam a diferença”, mas, mesmo com um projecto bem definido e estruturado, a psicóloga tem noção dos problemas: “A maior dificuldade é económica. Um processo terapêutico em Psicologia torna-se, naturalmente, dispendioso, não se faz apenas com uma consulta mensal e isso acarreta gastos constantes”.
Cumprindo um ano de existência e com uma evolução tão positiva, Cristina Camões olha a sua clínica de forma optimista e com boas perspectivas de futuro, salientando que no momento funciona mais como “um consultório de psicologia, mas pretende apostar na área da terapia da fala porque é uma área, sobretudo ao nível infantil, onde há bastantes dificuldades. Há cada vez mais pressão à volta das crianças, para que sejam meninos perfeitos mas deve respeitar-se o seu desenvolvimento e sobretudo favorecer a descoberta e a brincadeira”. Depois, sorri a psicóloga, é “ir crescendo à medida das necessidades das pessoas e da sociedade, que tem evoluído de forma muito rápida e a minha posição é ir conhecendo a fundo as tendências da sociedade e as direcções em que caminha e apostar sobretudo na formação e na investigação científica
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Entrevista efectuada em Junho de 2006 por alunas do ISLA - Instituto Superior de Línguas e Administração de Santarém do Curso Superior de Comunicação Social
Tema: Adopção em Portugal
Entrevistados: Dra. Cristina Camões
Guião de Entrevista
«As crianças institucionalizadas, são crianças que em muitos casos, não esperam por um colo, nem por uma família, esperam que o tempo os conduza a outra instituição, onde uma outra fase da vida “as libertará”, em muitos casos, para as ruas». Foi esta a realidade encontrada na vossa investigação?
R: De facto esta é a realidade que encontramos na instituição em que decorreu a nossa investigação, as crianças institucionalizadas perdem muitas vezes a esperança de encontrar um lar que as acolha e lhes dê a educação e a protecção que tanto precisam. Sente-se que estas crianças sofrem durante a sua permanência em instituições desilusões, estas desilusões começam na família biológica e estende-se à falta de esperança de conseguir ser adoptados. Além disso na adopção, geralmente os casais optam por escolher crianças com idade inferior a dois anos, ou mesmo bebés para que estes façam todo o seu processo de socialização nessa família. Esta realidade torna-se extremamente frustrante para aquelas crianças que vêem o tempo passar e que cada vez mais se aproximam da adolescência, por isso “não esperam por um colo, nem por uma família, esperam que o tempo os conduza a outra instituição”, sempre que a instituição em que encontram tem limites de idade impostos e mais tarde com a chegada dos 18 anos, apenas a rua é o seu tecto.
Que impressão é que guardam da instituição que visitaram?
R: A instituição em que decorreu a nossa investigação, poderá ser considerada uma instituição modelo, pois possui poucas crianças e desta forma o relacionamento entre estas e a direcção, funcionários, animadores é muito amistosa, há uma grande inter ajuda e um esforço por proporcionar o melhor acolhimento possível. Notou-se pelas entrevistas efectuadas ao grupo de crianças, pelos seus desenhos e relatos, que esta instituição para eles foi no fundo um mal menor, já que provinham de famílias disfuncionais que apresentavam comportamentos auto-destrutivos, ou seja, comportamentos de risco, relacionados com a toxicodependência, alcoolismo, prostituição, maus-tratos físicos e psicológicos. Notou-se ainda que existe um grande esforço do pessoal técnico em proporcionar a estas crianças lar que na família de origem não tinham.
A Dra. Maria do Rosário Carneiro, deputada do PS, apresentou na Assembleia da República o resultado do relatório das “Audições Efectuadas no Âmbito da Avaliação dos Sistemas de Acolhimento, Protecção e Tutelares de Crianças e Jovens”. Nesse relatório a deputada do PS afirma que existe uma “tendência institucionalizadora, depositária dominante” em Portugal. Partilham da mesma opinião?
R: Partilho da mesma opinião, contudo penso que isso se deve ao estado do processo de adopção em Portugal, já que existem uma grande diferença entre o número de crianças em condições de serem adoptadas e a procura. Além disso sempre que chegam às CPCJ, crianças e jovens em risco, os técnicos têm apenas uma saída para a protecção destas crianças e jovens, que é a procura de uma instituição que os acolha. De facto não existem alternativas e os técnicos deparam-se diariamente com este tipo de problemas, o que faz com que haja uma “tendência institucionalizadora, depositária dominante” em Portugal, mas deve-se ao facto de não existirem muitas alternativas.
No mesmo relatório a deputada do PS alerta para a falta de formação técnica existente nas instituições de acolhimento. Detectaram esta situação durante a vossa investigação?
R: Não encontramos falta de formação técnica no pessoal da instituição onde decorreu a investigação.
Que motivos vos levam a concluir que existe “negligência institucional”?
R: Conforme referenciado no nosso artigo, em conversas informais que efectuamos com pessoal técnico, verificamos que a negligência institucional é uma realidade presente nalgumas instituições, e não aquela em particular. Verifica-se muitas vezes, que as próprias instituições não cumprem o seu papel de protecção social, já que quando os jovens adoptam comportamentos ou atitudes desviantes dão origem a que as próprias instituições os expulsem, aumentando ainda mais a probabilidade desses comportamentos de risco aumentarem e prevalecerem.
Qual o estado psicológico das crianças que avaliaram?
R: Por motivos éticos, sigilo profissional e de salvaguarda da integridade das crianças não poderemos revelar muito acerca do estado psicológico destas crianças. Contudo, fazemos referência a alguns pontos importantes: falta de afecto, falta de um colo que as acolha, personalidade cheia de contradições, desilusão, indiferença, perplexidade e sobretudo a falta de amor.
A institucionalização prolongada é prejudicial para as crianças? Quais os seus problemas?
R: Actualmente é unanimemente aceite pela comunidade científica que a habilidade de interagir adequadamente com os adultos significativos é um aspecto importante no desenvolvimento infantil e adolescente. Se a interacção com os elementos significativos (família e afins) vivida por estas crianças durante a infância é problemática, acarretará no futuro acções e desvios comportamentais. O facto de estarem institucionalizadas poderá ser um mal menor, contudo ficam sempre marcas na personalidade, pois não é o mesmo que viver numa família e ter um processo de socialização com outros significativos.
O maior problema de uma institucionalização prolongada é a revolta que sentem e a impotência de nada poderem fazer e verem outras crianças serem adoptadas. Futuramente estas crianças, tenderão a repetir os padrões comportamentais dos seus familiares. Assiste-se a uma circularidade social, já que o ideal seria a existência de uma vida em forma de espiral. Urge mudar o sistema e reforçar as equipas de intervenção social, já que o suporte social e a intervenção junto destas crianças são cruciais na sua reabilitação, esta realidade ficou bem visível nas entrevistas ao corpo técnico da instituição.
Qual o vosso ponto de vista relativamente ao estado da adopção em Portugal?
R: A esmagadora maioria das crianças que se encontram actualmente em acolhimento institucional e familiar nunca serão adoptadas e uma percentagem significativa tem família e deverá voltar para esta. A responsável pela área social do Instituto de segurança Social, revelou à agência Lusa que existem 10.800 menores em instituições sociais em Portugal. Apenas 800 destas crianças que se encontram em acolhimento institucional e familiar em Portugal poderão um dia ser adoptadas.